1. A sabedoria do silêncio interno
Pense no que vai dizer antes de abrir a boca. Seja breve e preciso, já que cada vez que deixa sair uma palavra, deixa sair uma parte do seu Chi (energia).
Assim, aprenderá a desenvolver a arte de falar sem perder energia.
Nunca faça promessas que não possa cumprir. Não se queixe, nem utilize palavras que projetem imagens negativas, porque se reproduzirá ao seu redor tudo o que tenha fabricado com as suas palavras carregadas de Chi. Se não tem nada de bom, verdadeiro e útil a dizer, é melhor não dizer nada.
Aprenda a ser como um espelho: observe e reflita a energia.O Universo é o melhor exemplo de um espelho que a natureza nos deu, porque aceita, sem condições, os nossos pensamentos, emoções, palavras e ações, e envia-nos o reflexo da nossa própria energia através das diferentes circunstâncias que se apresentam nas nossas vidas.Se se identifica com o êxito, terá êxito. Se se identifica com o fracasso, terá fracasso.
Assim, podemos observar que as circunstâncias que vivemos são simplesmente manifestações externas do conteúdo da nossa conversa interna. Aprenda a ser como o universo, escutando e refletindo a energia sem emoções densas e sem preconceitos.
Porque, sendo como um espelho, com o poder mental tranquilo e em silêncio, sem lhe dar oportunidade de se impor com as suas opiniões pessoais, e evitando reações emocionais excessivas, tem oportunidade de uma comunicação sincera e fluida.
Não se dê demasiada importância, e seja humilde, pois quanto mais se mostra superior, inteligente e prepotente, mais se torna prisioneiro da sua própria imagem e vive num mundo de tensão e ilusões.Seja discreto, preserve a sua vida íntima. Desta forma libertar-se-á da opinião dos outros e terá uma vida tranquila e benevolente, invisível, misteriosa, indefinível, insondável como o TAO.
Não entre em competição com os demais, a terra que nos nutre dá-nos o necessário. Ajude o próximo a perceber as suas próprias virtudes e qualidades, a brilhar. O espírito competitivo faz com que o ego cresça e, inevitavelmente, crie conflitos. Tenha confiança em si mesmo. Preserve a sua paz interior, evitando entrar na provação e nas trapaças dos outros.
Não se comprometa facilmente, agindo de maneira precipitada, sem ter consciência profunda da situação.Tenha um momento de silêncio interno para considerar tudo que se apresenta e só então tome uma decisão.Assim desenvolverá a confiança em si mesmo e a Sabedoria. Se realmente há algo que não sabe, ou para que não tenha resposta, aceite o fato.
Não saber é muito incomodo para o ego, porque ele gosta de saber tudo, ter sempre razão e dar a sua opinião muito pessoal. Mas, na realidade, o ego nada sabe, simplesmente faz acreditar que sabe. Evite julgar ou criticar. O TAO é imparcial nos seus juízos: não critica ninguém, tem uma compaixão infinita e não conhece a dualidade.
Cada vez que julga alguém, a única coisa que faz é expressar a sua opinião pessoal, e isso é uma perda de energia, é puro ruído. Julgar é uma maneira de esconder as nossas próprias fraquezas.O Sábio tolera tudo sem dizer uma palavra. Tudo o que o incomoda nos outros é uma projeção do que não venceu em si mesmo.
Deixe que cada um resolva os seus problemas e concentre a sua energia na sua própria vida. Ocupe-se de si mesmo, não se defenda.Quando tenta defender-se, está a dar demasiada importância às palavras dos outros, a dar mais força à agressão deles.Se aceita não se defender, mostra que as opiniões dos demais não o afetam, que são simplesmente opiniões, e que não necessita de os convencer para ser feliz.
O seu silêncio interno torna-o impassível. Faça uso regular do silêncio para educar o seu ego, que tem o mau costume de falar o tempo todo. Pratique a arte de não falar.
Tome algumas horas para se abster de falar. Este é um exercício excelente para conhecer e aprender o universo do TAO ilimitado, em vez de tentar explicar o que é o TAO.
Progressivamente desenvolverá a arte de falar sem falar, e a sua verdadeira natureza interna substituirá a sua personalidade artificial, deixando aparecer a luz do seu coração e o poder da sabedoria do silêncio. Graças a essa força, atrairá para si tudo o que necessita para a sua própria realização e completa libertação.
Porém, tem que ter cuidado para que o ego não se infiltre…O Poder permanece quando o ego se mantém tranquilo e em silêncio. Se o ego se impõe e abusa desse Poder, este converter-se-á num veneno, que o envenenará rapidamente.Fique em silêncio, cultive o seu próprio poder interno. Respeite a vida de tudo o que existe no mundo.Não force, manipule ou controle o próximo. Converta-se no seu próprio Mestre e deixe os demais serem o que têm a capacidade de ser.
Por outras palavras, viva seguindo a via sagrada do TAO.
2. O eu e a garrafa sem fundo
Se o arqueiro atira uma flecha no vazio, em que ele vai acertar? Vencer o ataque através do vazio é o primeiro fundamento da estratégia chinesa, ou seja, trabalhar com a ausência do ego.
No estudo da estratégia, se diz que os grandes mestres de estratégia trabalham com o princípio da ausência do ego. Se as pessoas não tivessem ego, não haveria luta entre elas. Se, por exemplo, você tem um profundo apego por chocolate, quem na verdade tem esse apego? O seu “eu”, que é o seu ego. Com a ausência do ego, não vai existir o apego ao chocolate. Nesse caso, você poderia até comer o chocolate, mas não teria apego a ele, não seria viciado. Apego é aquilo que você quer. Mais do que isso. É algo que você não consegue deixar de querer. Em outras palavras, apego é vício.
Nós somos viciados em inúmeras coisas. Existem pessoas que são viciadas, por exemplo, em cuidar de outras pessoas. Existem aquelas viciadas em coca-cola, em dinheiro, em ideologia, em sexo e em inúmeras outras coisas. Todos nós temos alguns vícios, de níveis e tipos diferentes. E existem vícios que, normalmente, nem são percebidos como vícios.
Como você poderia não ter vícios? Não tendo um ego, não tendo um “eu”. Se você não tem esse “eu”, como poderia ficar viciado em algo? A ausência do ego faz com que você se torne vazio e, se você é um vazio no sentido da quietude interior (a quietude interior faz com que nos tornemos vazios por dentro), você deixa de ser um alvo para o outro. A ausência do ego coloca seu espírito em estado de quietude, de transparência. Se o arqueiro atira uma flecha no vazio, em que ele vai acertar? Em nada. Então, se você esvazia seu coração, toda força que o seu adversário mandar na sua direção, por mais perversa que seja, não irá acertar em você.
Muitas vezes, você está numa festa ou num lugar público e percebe que, quando vira de costas, uma determinada pessoa dirige a você um olhar insistente e negativo. Você, então, poderia lançar mão de uma técnica muito usada por taoístas nessa situação: respirar umas duas ou três vezes prestando atenção ao ritmo da sua respiração para que ela fique tranqüila; não deixar transparecer no rosto nem nas atitudes externas que percebeu o que está acontecendo; e começar a esvaziar seu interior, imaginando que você todo está se tornando um vazio, restando do seu corpo apenas uma silhueta. Nessa hora, a energia desconfortável daquele olhar vai passar por você como se estivesse passando por um vazio. Algum tempo depois, você vai notar que aquela pessoa está começando a sentir um cansaço imenso, e vai ficar cada vez mais cansada até desistir de olhar para sua direção. Mas se você receber esse olhar e, por não estar esvaziado, for atingido por ele, ou seja, se a pessoa conseguir acertar você com aquela energia perversa, essa mesma energia vai voltar para ela e realimentá-la.
No caso contrário, se o olhar dela não conseguir acertar você, ela vai estar, apenas, jogando energia fora. É como se ela estivesse atirando no vazio: as balas do revólver vão acabar e ela não terá acertado em alvo algum, em nada. Essa técnica de esvaziamento é muito fácil de ser praticada. Ela é muito usada para você não precisar lutar contra a pessoa que está dirigindo a energia perversa para você. E praticando esta técnica você vence a energia perversa sem precisar lutar contra a pessoa que a lançou.
Se essa pessoa ficar usando sua força contra o espaço, vai acabar se cansando. É como dar socos no ar: a pessoa vai se cansar e terminar por ser derrotada por si mesma sem que você, que praticou a técnica do esvaziamento pela respiração, precise sacar uma arma para brigar com ela.
Esse é exatamente o ensinamento de como vencer uma ação através da não-ação. Vencer o ataque através do vazio é o primeiro fundamento da estratégia da guerra, ou seja: trabalhar com a ausência do ego. Raciocine desse modo: se eu não existo, quem poderia estar me atingindo? Mas é preciso tomar cuidado porque ausência de ego não significa não tomar uma atitude quando ela for necessária.
Se você não tiver ego, mesmo que alguém tente lhe ofender, não vai conseguir porque o eu não existe e, portanto, você não pode ser aquilo que a pessoa disse ser. Ela não vai estar falando sobre você – então, vai estar falando sozinha, sem conseguir lhe ofender. No entanto, isso não pode ser um mecanismo de convencimento intelectual. Isso tem de ser o resultado de um esvaziamento interior, de um esvaziamento do eu.
Mas como a ausência do eu é demonstrada na prática, na vida cotidiana? Por meio da tolerância, da aceitação e do coração esvaziado. Uma pessoa que não seja tolerante, acaba por preencher rapidamente o seu limite. Até mesmo popularmente, quando alguém não consegue aceitar mais nada, adota uma expressão facial que demonstra que seu limite foi atingido: “Eu estou cheio, não tenho mais capacidade de tolerar isso, não vou mais tolerar isso”, é o que costuma dizer quem acaba por preencher rapidamente seu limite.
Numa situação como essa, nós nos tornamos “cheios” porque temos um limite que funciona como uma espécie de fundo de garrafa – ou fundo de copo –, que vem a ser, exatamente, o nosso ego. O ego humano é o fundo do nosso copo, da nossa garrafa. O ego faz com que nossa vida, mesmo que seja parcialmente esvaziada, tenha um limite. E a suprema abundância só é adquirida quando nós retiramos esse fundo da garrafa. Desse modo, tudo entra e tudo sai pela garrafa sem fundo e, por isso, a suprema abundância não se esgota.
Um mestre antigo dizia que nós deveríamos saber receber tudo o que vem do mundo e repassar tudo de volta para o mundo. Dessa maneira, a nossa vida torna-se algo vazio e esse vazio permite que a vida flua dentro de nós. É desse processo que vem a alegria sem euforia e a tristeza sem depressão. Vêm coisas saborosas e amargas, e tanto umas quanto outras entram e saem de nós como se estivessem sendo derramadas numa garrafa sem fundo. Assim, a nossa capacidade tanto de receber quanto de dar nunca termina e, com isso, a vida se torna mais leve porque, nesse momento, deixamos de fluir na vida para deixar a vida fluir em nós. A partir dessa hora nós nos transformamos e ficamos como se fôssemos um tubo por onde a água, que simboliza a vida, passa por nós e vai adiante, fluindo sem parar porque não existe um fundo, um limite que a represe.
De modo contrário, se nós tivermos um fundo, como uma garrafa ou um copo, a água não vai fluir. Ela vai encher essa garrafa até seu limite, depois transbordar, e terminar levando o copo ou a garrafa junto com ela, em vez de passar e sair. Então, a pessoa que tem o ego muito forte é levada pelo destino, em vez de permitir que o destino ou a vida passe por ela.
Quanto mais esvaziados o copo ou a garrafa, mais a água vai fluir e passar dentro de nós, mais o destino vai passar por nós, e seremos donos desse destino. Quanto menos esvaziados, mais obstáculos a água vai encontrar para fluir dentro de nós e, nesse caso, os papéis serão invertidos: nós vamos passar por dentro vida e ela é que será a dona do nosso destino. Precisamos nos esvaziar para podermos nos tornar receptivos. Sendo receptivos, podemos de fato abraçar todas as coisas e, ao mesmo tempo, permitir que todas as coisas se desenvolvam e se transformem de modo natural e fluido.
O homem iluminado é o que possui a abertura interior.
3. SEMENTES DA ILUSÃO
Quando nossa consciência ainda está no nível do apego, valorizamos, enobrecemos e admiramos demasiadamente a fama, a fortuna e o poder. O homem pensa que precisa ter prestígio social e, por isso, precisa ter recursos, ser famoso e poderoso. Para ter aquilo que não tem, se sacrifica, trabalha em excesso para ganhar dinheiro. Em alguns casos, rouba, faz truques, mente, engana pessoas.
A preocupação em obter ou manter fama, riqueza e prestígio tira a nossa paz. Uma pessoa, antes de alcançar prestígio, fica com medo e, na batalha pela conquista de destaque social e profissional, fica constantemente em estado de alerta e preocupação. Depois de conquistar posição e riqueza, também fica em estado de alerta: quem tem riqueza e prestígio se mantém em estado de alerta permanente porque tem medo de perder o que conquistou.
Quem não tem e quer ter, dedica toda sua atenção e preocupação para gerar dinheiro e riqueza. Quando conquista o que pretende, fica todo o tempo preocupado em manter a riqueza. É um tipo de preocupação diferente, porém, continua a ser gerada. Temos medo e nos sentimos inseguros quando não temos fama, não temos poder, não temos o controle da situação, não temos riqueza, não podemos dominar pessoas ou situações. No entanto quando temos tudo isso, nós ficamos igualmente com medo porque não queremos perder o que conquistamos.
Quem nada tem ou quer não fica em estado de alerta. Na verdade, o ser humano precisa de muito pouco para sua sobrevivência: comer, vestir, trabalhar, morar adequadamente. Existe aquilo que representa o mínimo necessário para uma vida digna e virtuosa e existe todo o resto, geralmente supérfluo, que pode ser dispensado.
Muitas vezes a pessoa entende como necessário algum valor apenas em função do conceito. Existem pessoas que só tomam uísque importado e outras que só usam roupas de grife. Quando o indivíduo se torna prisioneiro desse tipo de conceito, a vida se torna mais desgastante. Ele tem de trabalhar muito, se esforçar para conquistar coisas e, assim, se tornar feliz (ou pensar que está feliz). Obviamente, todos gostam de tomar um bom uísque e vestir uma boa roupa. O que é preciso deixar claro é que a prisão ao conceito de que isso é indispensável à felicidade pode tornar as pessoas desgastadas e preocupadas.
A conquista de prestígio gera orgulho e a humilhação por não consegui-lo provoca a ira. Uma pessoa que se sinta humilhada cria dentro de si um sentimento de raiva, já que nenhum de nós gosta de ser desprestigiado. Podemos não responder imediatamente nem diretamente, mas, lá dentro do coração, criamos a raiva ou o aborrecimento. Tudo ocorre num nível inconsciente, que nem chegamos a perceber. Estes sentimentos são explícitos ou não; aparecem ou não exteriormente.
Conceitos ilusórios
Quando buscamos por algo que a sociedade estabelece como um grande valor e não conseguimos obter, nos sentimos desprezados ou humilhados. O prestígio é o valor que nós determinamos ou adotamos porque outros assim determinaram. Os conceitos podem ser ilusórios. No entanto, a humilhação é um valor, assim como o prestígio também é um valor. Na verdade, a conquista e a perda não passam de ilusões.
O que é real é o que fica na alma.
A pessoa que guarda ira e humilhação dentro de si, não apenas prejudica sua vida emocionalmente como também, quando transmigra para uma outra vida, não leva o corpo de hoje nem a memória consciente, mas leva seus sentimentos. Ou seja: leva para uma outra vida ódio, humilhação, mágoas, tristezas etc.
Tudo o que se leu e compreendeu nessa vida não é mais lembrado quando se acorda como outra pessoa, em outra vida posterior. Apenas levamos conosco as nossas CAPACIDADES. Podemos ter lido muito nessa vida. No entanto, levaremos para a próxima vida uma grande capacidade para a leitura, mas não nos lembraremos daquilo que estudamos anteriormente.
Do mesmo modo, uma pessoa que se sentiu humilhada e desprestigiada nessa vida não se lembrará da humilhação e do desprestígio que sofreu, porém algo restará dentro dela que a levará a ter um temperamento infeliz e revoltado.
Isso é o que o Taoísmo chama de “semente”.
No fim da encarnação, a consciência e a vida se separam. Essa semente fica; levamos conosco para outra vida a natureza do sentimento que resta como personalidade.
Sementes Cármicas
Antes de virmos para essa vida, nascemos com um monte de sementes transmigratórias que trouxemos de outras vidas. Nascemos com mil apegos, vícios, frustrações, costumes, hábitos, mil loucuras, mil felicidades, mil desejos e, quando chega à hora da morte, esta grande aglomeração de memória que se chama “alma humana” se transforma em sementes cármicas.
Conforme a criança cresce, desenvolve o contato sensorial do corpo, as alterações emocionais e, assim, a direção de sua consciência muda. A energia oscila desordenadamente, ora para um lado ora para outro, num estado de dualização. A personalidade torna-se mais complexa e múltipla, gradativamente virão à tona as outras personalidades, aquelas que já existiam mas ainda permaneciam como “sementes”. Novos hábitos do cotidiano vão irrigando, como água jogada nessas sementes, os carmas que, por sua vez, se não nos mantivermos atentos, crescerão e frutificarão.
Como normalmente as pessoas criam carmas e vícios muito rapidamente, além de terem consigo as sementes ressuscitadas como uma floresta dentro de si – e cada árvore dessa floresta já traz novas sementes –, outras arvorezinhas brotam e um mundo de valores vãos é criado e nutrido. No momento da morte, carregam-se muitas dessas sementes adiante. Quanto maior a quantidade de sementes, maior a complexidade e o número de situações difíceis na vida.
Um realizador do Tao deveria ter grande força de vontade para se libertar dos apegos aos laços mundanos. Essa é a força que ele tem de conhecer, encontrar dentro de si mesmo. Ao mesmo tempo, o taoísta tem de ter um coração totalmente feminino, repleto de afetividade, receptividade e humildade, para poder abranger todas as coisas. O ser humano pode conviver com a fama e com a perda da fama, com a fortuna e com a perda da fortuna, com o poder e com a ausência do poder, sem se tornar prisioneiro dos sentimentos e dos conceitos de que essas situações são permeadas. Na verdade, a força a ser invocada, a ser cultivada, é a de dominar a si próprio com a força de vontade para transcender as coisas que prendem o homem aos caminhos da transmigração e aos mundos que o limitam.
Wu Jyh Cherng, Sacerdote Taoísta, Ordem Ortodoxa Unitária, Presidente da Sociedade Taoísta do Brasil
4. QUEM É VOCÊ?
Como, normalmente, as pessoas procuram saber quem são? fazendo descrições do tipo “eu me chamo Fulano, tenho um temperamento A, um comportamento B e uma reação C, etc.”. O que essa pessoa está dizendo não é exatamente o que ela é porque você não é um temperamento, o temperamento A não é você, ele não faz parte da sua verdadeira essência, da sua verdadeira identidade. Isso é como você olhar para a luz do sol através de uma lente marrom e concluir que a luz do sol é marrom ou que a sua visão é naturalmente marrom, quando nós sabemos que nem a sua visão, nem a luz do sol são marrons. A lente que está se interpondo entre a sua visão e aquilo que você está vendo, a lente que está distorcendo a sua visão representa os temperamentos diversos que as pessoas possuem: eles não são a pessoa, como a lente não é você; o temperamento que você “tem” não é você, seu comportamento e suas reações também não são você. Então, quando você diz “se alguém me acusa de ser um picareta eu fico logo irritado e a minha primeira reação é agredir a pessoa”, isso que você está descrevendo também não é você. Esse “eu” que fica irritado e reage com agressividade não é você, esse “eu” é o seu ego. Lu Tzu, que escreveu o “Segredo da Flor de Ouro”, dizia para seus discípulos: “antes do eu, quem sou eu? depois do eu, quem sou eu?”
Então, se temperamento não é você, comportamento não é você, a “forma de ser” não é você, o que você “pensa” que você é também não é você, qualquer coisa que você possa definir como sendo você, na verdade não é você, se nada disso é você, o que, então, é você, o que é o “verdadeiro eu”? o verdadeiro eu não poderia ser interpretado porque não possui forma, ele é algo transparente, é uma consciência translúcida, que não tem forma, não tem imagem e está além da linguagem. Esse “verdadeiro eu” não poderia, nem mesmo, ser chamado de “eu” porque ele é um “eu universal”, ele é o verdadeiro espírito do homem e a razão de todas essas interpretações erradas é que esse verdadeiro espírito do homem é como uma pérola luminosa que normalmente está tão coberta de poeira que sua luz não consegue resplandecer. Para ver o brilho dessa pérola, você precisa tirar antes a poeira da superfície, ou seja: para conseguir chegar à iluminação, para conseguir resgatar sua consciência verdadeira, que é a sua verdadeira identidade, primeiro você vai precisar saber que tudo aquilo que você supõe que você é, na verdade não é o que você é, na verdade tudo isso corresponde à poeira que está impedindo a pérola, que é a sua consciência, de resplandescer.
Todos nós somos apegados à nossa identidade e essa identidade é como se fosse uma couraça que temos dificuldade de tirar.
Quando uma pessoa fica doente é porque atraiu energias perversas, invejas, pensamentos negativos e o que atrai isso tudo são o seu corpo ilusório, sua energia ilusória, sua identidade ilusória. Essa identidade ilusória é exatamente aquele “eu” que você pensa que é. Todos nós somos apegados à nossa identidade e essa identidade é como se fosse uma couraça que temos dificuldade de tirar, é como se fosse uma poeira que já tivesse virado uma casca grudada em cima da pérola, impedindo o seu brilho original de aparecer, sob qualquer ângulo pelo qual a pérola fosse observada. Você, então, quando olha para a pérola passa a não encontrar a luz original da jóia; você encontra, no seu lugar, uma casca colorida: umas mais azuis, outras mais puxadas para o vermelho, outras para o amarelo; umas com uma característica mais vaidosa, outras com característica mais invejosa, outra mais irada, outra mais depressiva e outras que têm todas essas características juntas e misturadas. Essa, portanto, é exatamente aquela massa que encobre a verdadeira luz do espírito, que vem a ser a pérola espiritual que está dentro de nós. Então, a partir do momento em que você passa a identificar essa casca externa como se ela fosse você mesmo, absorvendo como suas as características dessa casca, começa a atrair os tipos diferentes de energia para você.
Uma pessoa que tem uma tendência de ira, revolta, diz: “meu temperamento é assim: eu sou justiceiro e se alguém me diz alguma coisa injusta eu fico muito irado e sou capaz de matar quem pratica a injustiça”. Essa pessoa pensa que sua natureza é aquela, que ela é irada por natureza, mas aquilo que ela pensa que representa a sua essência vem a ser aquela “casca”, que nesse caso apresenta-se de uma forma irada. Essa casca é que foi chamada, no texto, de “corpo do ego”, ou seja: corpo do ego é o temperamento, a característica própria que o ego tem. Supondo-se, então, que a sua característica seja predominantemente irada, você vai atrair uma série de energias que vão convergir para a sua ira, é como se a sua ira se tornasse um ímã. É comum, inclusive, você ouvir dizer, por exemplo, que pessoas “brigonas” estão sempre atraindo brigas porque elas estão sempre “prontas” para uma briga, estão sempre procurando uma briga, olhando para os lados já pensando em provocar uma briga, investigando o que está à sua volta para ver se conseguem brigar com alguém. Isso é o que os taoístas chamam “corpo do ego”, que vem a ser, exatamente, aquele temperamento que habita em você e atrai as coisas do mundo externo para a sua manifestação.
Uma pessoa que tenha um comportamento irado vai atrair um tipo de energia que vai se alojar no seu corpo emocional, mental ou energético, que vai se alojar numa determinada região do seu corpo, fazendo com que essa parte do corpo adoeça. Por exemplo, a ira atrai muita energia perversa para seu fígado e vesícula e normalmente isso gera muito problema nesses órgãos. Essa energia perversa também traz desequilíbrio e desarmonia em escala menor, com uma série de sintomas nas regiões do corpo relacionadas a esses dois órgãos, como por exemplo enxaqueca, torcicolo, calores, rouquidão, garganta inflamada, etc. Dessa forma, você fica doente porque cultiva e desenvolve uma identidade egóica, que é a do corpo do seu ego. Portanto, se você cultuar essa identidade egóica vai atrair energia perversa e doenças que vão se alojar no seu corpo e trazer sofrimentos para você. Por isso, Mestre Dzen-I diz que uma pessoa que fica doente deveria observar qual a origem da sua doença. Se você tem um ego forte, se você tem um apego profundo numa identidade ilusória do seu ser e não consegue se desapegar da sua forma, da sua personalidade, do seu temperamento, das suas idéias, se você não consegue alcançar a quietude e a transparência, automaticamente vai contrair enfermidades.
Wu Jyh Cherng, Sacerdote Taoísta, Ordem Ortodoxa Unitária, Presidente da Sociedade Taoísta do Brasil
5. DESTINO
Mestre Maa diz que o Tao oferece a vida pra quem quer viver e a morte para quem quer morres. Isso significa que esse Absoluto não tem a intenção própria de determinar o que nós queremos; ele simplesmente nos oferece naturalmente as condições para aquilo que nós pretendemos conduzir.
Por que essa idéia é importante? Porque dá base para um dos conceitos fundamentais do taoísmo, que coloca cada pessoa como responsável pelo seu próprio destino. Ou seja: nós somos essencialmente responsáveis pelo nosso dia de amanhã, independente do que vamos encontrar, se é a vida ou a morte.
Para o taoísmo, não existe um destino que deverá ser vivido por nós fatal e inevitavelmente, determinado por alguém superior e supremo, que está acima da condição humana.
O que existe é um destino quase fatal e inevitável, determinado e escrito por nós mesmos num papel em branco que nos foi entregue por essa Condição Suprema – não importa se você o chama de Supremo, Tao, Virtude, Deus ou qualquer outro nome – exatamente para nele escrevermos nosso destino. Isso que escrevemos nesse papel em branco é que muitas vezes é tão bom ou tão mal escrito que faz com que nosso futuro, pelo menos o breve, seja quase fatal e inevitável.
Esse “quase” fatal e inevitável é como se fosse uma pessoa que está dirigindo numa estrada a 180Km/h e de repente se depara com outro carro que vem em sua direção ou um muro que está à sua frente. Ele percebe que vai colidir com o obstáculo, mas teoricamente falando, até o momento da colisão haveria chance de evitar o desastre, desviando o carro e retornando à entrada. Mas a aceleração foi tanta que, apesar de depender dele a possibilidade de evitar a batida, suas chances de conseguir evitá-la são ínfimas porque nessa hora a colisão é praticamente fatal e inevitável.
No momento em que ele acelera tanto seu carro, era o mesmo que estivesse assinando e selando seu destino naquela folha em branco que “Deus” ou o Absoluto havia lhe dado. A sentença que ele estava assinando dizia que o seu carro ia colidir com um obstáculo, mas quando ele percebe que vai bater, mesmo, quer voltar atrás e frear, mas já não consegue mais, não tam mais força para isso.
Nessa hora ele bate e nós podemos ficar com a impressão de que algo supremo teria dado a todos nós um destino fatal e inevitável, que Fulano teria que morrer naquele dia e daquele jeito, foi o Absoluto que determinou assim.
Teoricamente, no entanto, o desastre até que poderia ter sido evitado, mas na pratica não havia mais jeito. Não porque alguém superior assinou nossa sentença, mas porque nós mesmos escrevemos e assinamos os nossos destinos com precisão, em cada segundo da nossa vida. Muitas vezes ele está tão bem ou tão mal escrito que nós queremos modificá-lo ou deixar de escrever daquela maneira, mas já não temos mais tempo. Por isso o taoísmo enfatiza muito o trabalho da consciência.
O Tao, como aquele que gera, cria, dá forma e completa, dá uma carta branca a cada um de nós onde devemos escrever e assinar nosso destino, responsabilizando-nos por ele. Portanto, nós devemos ter a consciência do nosso próprio destino e da nossa própria natureza, bem como do destino exterior e a da natureza exterior para integrar nosso destino interior ao destino exterior e nossa natureza interior à natureza exterior, desarmando o castelo que nos “defende” da natureza para conseguir fluir junto com todas as coisas, sem atritos nem conflitos.
Dessa maneira, poderemos fluir junto com o céu e a terra. O céu é eterno e a terra é constante; eles vivem muito mais que nós, então se nós conseguirmos viver integrados com o céu e a terra, teremos a vida da infinitude e da constância.
Wu Jyh Cherng, Sacerdote Taoísta, Ordem Ortodoxa Unitária, Presidente da Sociedade Taoísta do Brasil
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