1. Aurora, a Grande Árvore…
Após viajar pelo mundo e colecionar as sementes das mais variadas árvores e dos mais belos jardins, foi num simples vilarejo que o Jardineiro decidiu passar sua velhice e lá realizar seu grande sonho. Aurora não sabia, mas era a semente mais especial que o Jardineiro havia plantado. Ele escolheu o centro daquele imenso lugar para ser a moradia da sua favorita, pois vislumbrava algo de magnífico nela e precisava deixá-la florescer…
Quando ainda era um jovem broto, Aurora cresceu ouvindo o Jardineiro contar as histórias de suas viagens. Ouviu também sobre suas angustias e medos, sobre suas grandes realizações, sobre seus amores esquecidos e sobre o sonho de um dia concluir seu extraordinário jardim. Aurora nunca se sentia só, dia após dia, o Jardineiro cuidava de suas folhas e a ensinava ficar de pé, erguendo seu tronco e mostrando qual a direção ela deveria seguir – sempre para o alto. Pelas manhãs, Aurora se preparava para o dia que se iniciava. Com a mesma alegria que uma criança recebe o pai, Aurora recebia seu amigo sábio e conselheiro – o Sol. Era realmente um momento de grande felicidade, pois cada encontro com o Sol alimentava as suas forças e auxiliava em seu crescimento. Antes de morrer, o Jardineiro concretizou seu sonho, compartilhando com os moradores daquele simples vilarejo o fruto de suas peregrinações pelo mundo: a mais bela paisagem que alguém poderia contemplar. Da mesma forma que idealizou, as espécies encontradas naquele extraordinário jardim chamavam a atenção pela notável beleza e extravagância. Para os visitantes, era considerado um lugar mágico (e talvez fosse!).
O tempo passou… Aurora cresceu bonita e cheia de vida. Suas folhas, flores e frutos, eram os mais admirados em toda extensão daquele humilde vilarejo. De longe, podia-se ver a imensa árvore Aurora e seu esplendor junto ao amanhecer. O tempo também se encarregou de transformar aquele humilde lugar em um dos mais prósperos povoados das redondezas. O jardim se tornara um ponto turístico que atraiu a atenção de vários curiosos e impulsionou os negócios por ali. O vilarejo era conhecido pela agradável vida de seus habitantes, talvez porque os moradores cultivavam o hábito de passarem às tardes reunidos no jardim. E todos os entardeceres eram assim: algumas senhoras sentadas logo na entrada para tomar chá e colocar os assuntos em dia, às crianças correndo pelo interior do jardim brincando de pega-pega e pique esconde, alguns adolescentes dormindo encostados nas árvores (geralmente com um livro sobre o peito), e os casais de apaixonados descobrindo o verdadeiro amor num beijo. De todas as formas, aquele lugar era para os seus visitantes, um recanto de descanso e apreciação.
Aurora sabia que possuía o necessário para viver, pois o Sol lhe concedera conhecimento para que continuasse crescendo forte e bela. Porém, a vida não se resume apenas em belezas, também fazem partes dela as escolhas…. Haviam perigos reservados para Aurora que nem ela mesma imaginava e o Sol (o sábio conselheiro) cuidou de adverti-la sobre a influência dos habitantes do vilarejo sobre a sua espécie. Apesar do seu tamanho, Aurora não amadureceu o suficiente para afastar-se dos riscos que estavam a sua espera. Voltando seus olhos para a vida dos habitantes do vilarejo, começou a enfraquecer…. Passava os dias observando a maneira particular de viver dos moradores e invejou o que possuíam. Desejou fazer parte deles, e quem sabe, ser como um deles: conversar, correr, ler, dormir, amar, chorar, tudo que pessoas comuns fazem – eram as suas ambições. Começou a se envaidecer. Percebeu que ao seu redor nenhuma árvore era tão admirável e produtiva quanto ela, pois ouvia de todos que suas folhas, flores e frutos, eram os mais desejados em todo o vilarejo. Experimentou o orgulho e a soberba quando desprezou o alerta que vinha de suas amigas, as borboletas (preocupadas com o mal que cercava sua amiga), a respeito dos perigos presentes nas suas escolhas – elas lutaram tanto para protegê-la, mas sem sucesso voltaram para casa desanimadas por serem ignoradas. O João de Barro, temendo que algo pior acontecesse, juntou a sua família e partiu – a vida nos galhos de Aurora já não era mais segura. As outras famílias que viviam com Aurora sentiram que não eram mais bem-vindas no interior do seu tronco e também decidiram partir. Aurora finalmente sentiu-se livre para ser e fazer o que gostaria. A forte ambição de se tornar como as pessoas que invejava, afetou seu julgamento. Estava cega, arrogante e tornando-se seca por dentro.
Os dias se passaram e Aurora se envolvia ainda mais com seu novo alvo – os moradores do vilarejo. Esqueceu-se de nutrir suas raízes, desprezou a sabedoria do Sol e os avisos de seus amigos, desistiu de fazer parte do sonho do Jardineiro e decidiu trilhar um caminho egoísta traçado apenas para si. E assim, a soberba consumiu o que restava do fluido de vida que circulava em suas veias. Algo terrível estava reservado para Aurora: manifestar em sua própria forma a decadência dos seus últimos dias.
A força da vida abandonava aos poucos Aurora, sua consciência, porém, ainda precisava se redimir do mal que havia causado. Uma das suas amigas mais próximas, a Lagarta, que suportou sua rejeição diária, juntou-se a ela nesse triste momento de despedida. Talvez próximo do fim de uma caminhada haja uma visão diferente do caminho…, foi assim que Aurora alcançou o entendimento e sua consciência se expandiu. Olhou para o céu e pediu perdão ao Sol, agradeceu pela força e sabedoria que recebeu gratuitamente. Chamou pela memória o Jardineiro e agradeceu por tê-la ensinado a direção certa no começo da vida. Olhou ao seu redor e agradeceu a todos que estavam presentes, sentiu-se satisfeita por tê-los conhecido – foi uma grande dádiva. Chamou pelos pássaros e pelas borboletas, eles ouviram de longe e chegaram às pressas. “Agradeço por tentarem me proteger quando eu estava confusa e perdida, apenas os verdadeiros amigos nos levam para longe dos perigos ou tentam no resgatar quando estamos no meio dele, vocês agiriam assim comigo e carregarei vocês dentro de mim para onde eu for; só quero lhes pedir um último favor, que me façam uma promessa…”, e assim Aurora despediu-se de todos aqueles que fizeram parte de sua história.
Um grande alvoroço se abateu sobre o vilarejo. A maior árvore do jardim estava morta e seu tronco pendia de um lado para o outro, ameaçando a vida de todos. Uma nuvem negra pairava sobre os habitantes do vilarejo: o que fazer diante dessa situação? Se uma árvore daquela dimensão caísse destruiria o que haviam construído. Medo, incerteza, preocupação, tristeza, pânico, temor de um acontecimento desagradável – os moradores do vilarejo pressionavam o prefeito por uma solução…
O prefeito então chegou à resolução do problema, expediu uma ordem para derrubada da árvore. Convocou os lenhadores e engenheiros mais habilidosos da região. E assim a árvore foi removida com segurança do jardim e os moradores do vilarejo puderam descansar de suas aflições. No chão, o que restou de Aurora serviu para aquecer o frio inverno que assolava as famílias do vilarejo.
Os pássaros e as borboletas cumpriram a promessa que fizeram a Aurora. Voaram o mais longe que puderam, atravessaram rios, lagos e montanhas, espalharam as sementes de sua amiga por todo lugar. Aurora não desejava que suas filhas vivessem próximo das pessoas, pois temia o mal dessa relação, muito menos que enfrentassem os perigos que ela atraiu. Então orientou as borboletas que contassem às suas filhas a seguinte fábula: “Era uma vez uma grande árvore que se desviou do caminho do crescimento. Por desprezar a sabedoria e o conselho do Sol, abandonou os amigos e desistiu de se nutrir de coisas boas. Viveu até os últimos dias de vida observando e desejando a maneira de viver de outros, até aprender (perto do fim) a ser grata pela vida abençoada que já possuía. Por rebelar-se contra a sua natureza, a grande árvore descobriu que é preciso ter cuidado com as escolhas que fazemos, pois as consequências são parte delas. Quando decidiu parar de crescer com o Sol, a grande árvore trilhou um caminho sem volta e assistiu a sua própria decadência acontecer. Cuidado, era o que repetia! É preciso permanecer crescendo para o alto…”. E essas foram às últimas palavras da grande árvore…, assim termina a sua história.
De geração em geração, as borboletas seguem com a sua promessa. Até os dias de hoje, a essência de Aurora vive em outras formas espalhadas em vários lugares…. O que surgiu da terra retornou para terra, porém, a memória de Aurora viaja até os dias de hoje pelo tempo. Outras árvores cresceram no lugar que o Jardineiro reservou para a sua favorita, mas nenhuma tão bela e especial quanto Aurora foi um dia.
Fim!
2. Experiências de uma Vida…
No jardim, ainda sentado e apreciando as flores, como faço todas as manhãs, me vejo perdido em meio a tantas recordações. Vejo meu neto correndo em minha direção e volto ao passado…. Lembro-me de alguns momentos da minha vida: foram muitos momentos de felicidade extrema e silenciosos momentos de tristeza. Lembro-me de como era ser criança, das brincadeiras, da diversão e de como tudo era simples. Esse garoto tem tanto para conhecer da vida…. Lembro-me de como é ser jovem e estar disposto para a vida…. De como é amar alguém especial e sentir-se amado de volta…. Lembro-me da experiência mais linda que vivenciei: envolver, pela primeira vez, o meu filho recém-nascido pelos braços, olhar para seus olhos e sentir todo amor que estava reservado somente para ele brotar… tudo na vida para diante de momentos únicos e especiais. Dali para frente, eu faria tudo ao meu alcance para protegê-lo e lhe proporcionar o melhor. E assim foi… vê-lo crescer e se tornar um homem honesto e trabalhador me trouxe muita satisfação. São muitas memórias… e algumas me fazem lembrar da dor que uma despedida causa. Minha esposa partiu muito jovem, eu pensei que minha vida acabaria ali, junto à dela; ela ainda faz muita falta…, mas aprendi a aceitar e continuar minha caminhada. A vida pode mudar repentinamente e é preciso estar preparado para as tempestades que se aproximam. A vida é como a natureza: vivemos de estações. É preciso ser forte para enfrentar seus desafios e buscar a sabedoria de cada fase. Na velhice enxergamos a vida de outra forma…. Às vezes eu penso que tudo poderia ser diferente, isso como se tivéssemos a opção de voltar ao passado e fez tudo de outra maneira; mas percebo que o que aconteceu, aconteceu por uma razão e não penso mais nisso. Eu costumava ser muito bom com as mãos, entalhava em madeira: fazia moveis, gravuras, esculpia…. Hoje olho para elas e sinto certa dificuldade em movimentá-las, meus dedos já não são como antes. Acho que já passou esse tempo. Minha memória também não é mas a mesma, tento lembrar o nome do meu filho e dos meus netos, mas as vezes é tão difícil…. É sempre muito difícil…. Isso não muda o amor que sinto por eles. Eu sempre vou amá-los, mesmo que não me lembre de seus nomes. Na minha mente vejo meu filho quando criança, correndo pela casa enquanto a sua mãe o adverte a tomar cuidado e não se machucar esbarrando em algum móvel. São lembranças muito bonitas, que não desejo perder.
– Por que a gente envelhece vovô?
Eu te respondo meu menino! Porque envelhecer ensina a gente sobre o começo e o fim das coisas…. Quando você olhar para um homem mais velho, faça uma saudação a si mesmo daqui há alguns anos. A vida nos dá o vigor da juventude e quando chegamos ao auge do nosso potencial, ela nos tira aos poucos aquilo que nos fazia tão autossuficientes – é quando percebemos o nosso real tamanho. Achamos que somos invencíveis quando jovens – meu menino – e que nunca precisaremos da ajuda de ninguém. Mas na velhice, ah… na velhice, a gente aprende que a vida é um ciclo…, somos cuidados pelas mãos caridosas de alguém quando chegamos nessa vida, e ao final dela carecemos do mesmo auxílio que encontramos no começo. A medida que envelhecemos aprendemos mais sobre nossa mortalidade e ganhamos um pouco mais de consciência da nossa finitude. Podemos escolher viver em função do amanhã, que nunca chega, ou do passado, que não se pode mudar. O hoje é o melhor tempo para se viver… lembre-se disso meu menino! Certamente há um mistério que ainda não nos foi revelado. Talvez quando fecharmos a última porta em direção a eternidade, compreenderemos o sentido de tudo. Ah… meu menino, somos tão arrogantes! Achamos que controlamos a vida, quando é justo ela que nos controla. Sabe do que eu tenho mais medo? De um dia não ser lembrado por aqueles que eu tanto amo. Talvez eu esqueça esse medo também…. Talvez não! Nós sempre teremos medos, aprenda isso meu menino. O medo tem a sua função, só não se deixe ser controlado por ele. Uma vida repleta de medos é insuportável! Veja, quando se é velho, os nossos filhos não têm muito tempo para nos ouvir, nem dão muita importância para o que queremos dizer, as vezes só queremos ajudar, mas não somos bem compreendidos. Ah, meu menino, como somos orgulhosos…. Eu me lembro que fazia o mesmo com meus pais, as vezes eles só queriam me ver bem, mas eu precisava passar por minhas próprias experiências para entender aquilo que eles tentavam me alertar. Às vezes é preciso sentir dor para aprender, meu menino. Às vezes um tropeço ensina mais do que um conselho. Aí um dia você aprende a enxergar além do sofrimento e descobre a paz, assim como seu velho avô descobriu. Mas tudo isso ainda é muito complicado para você… no tempo certo você vai lembrar dos conselhos do seu velho avô e entenderá. Até lá, viva o máximo que puder para não chegar na velhice cheio de arrependimentos e amarguras. Aprenda a perdoar, porque cada perdão que você libera deixa o seu fardo mais leve e a caminhada mais agradável. Não espere muito para ser feliz… costure a sua felicidade de pequenas alegrias. Entregue-se completamente às experiências que a vida lhe conceder: é muito triste uma vida de meias porções. Lembre-se que tudo na vida tem um propósito, mais cedo ou mais tarde você entenderá. A vida parece tão injusta, não é? Mas não é. A vida nos concede uma infinidade de experiências únicas e marcantes. Sem perceber aprendemos mais sobre nós mesmos à medida que vivemos. Mas vamos deixar dessa conversa, venha cá e dê um abraço no seu avô. Pois há um tempo para tudo e um tudo para o tempo.
Fim!!!
Americo Queiroz Jr.
Professor, Pedagogo, Especialista em Gestão de Recursos Humanos, Consultor de Desempenho Organizacional e Amante da Literatura. Transforma o seu cotidiano em palavras e convida os leitores a reflexões sobre a vida e o modo de viver. Atualmente tem como missão pessoal auxiliar pessoas a escreverem a sua própria história.
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