1. O melhor presente é estar presente
A Anita devia ter uns cinco anos quando saiu com essa: Pai, você já notou que os brinquedos são muito mais legais na loja e nas propagandas do que na nossa casa?. Tadinha. Lá em casa, os brinquedos não voam, como na televisão. Lá em casa, os brinquedos não são brilhantes e plastificados, como na loja. Interessante como a Anita levou só cinco anos pra descobrir que a gente gosta mesmo é do ato de comprar: depois que a gente tem, perde a graça.
Foi então que a gente começou a tentar fazer nossos próprios brinquedos. Começamos a guardar as caixas de papelão. Uma virou casinha, outra virou um foguete todo pintado. Usamos folhas de papel em branco para fazer nossos próprios jogos de tabuleiro. Criamos um caminho, caiu na casa da Galinha Pintadinha tem que cantar uma música. Caiu na casa da professora Isabela tem que contar até três em francês. “Un, deux, trois!”, diz a Anita, pra andar três casas com o peão feito de tampa de garrafa pet.
Pai fresco, sempre achei que comprar presentes substituiria meu tempo ausente. Trabalhava muito, então sempre levava uma lembrancinha das viagens, um livro de princesa, um coelhinho de pelúcia inofensivo. Mas três coisas aconteciam: um, os brinquedos não substituíam a minha ausência (spoiler: nada substitui sua ausência, pai); dois, minha filha ficava acostumada a sempre ganhar alguma coisa e, quando eu chegava, só perguntava do presente; e três, ela brincava com o presente por uns dois segundos, pra o deixar abandonado em algum canto da casa.
Aprendi o seguinte: os brinquedos mais divertidos são os mais simples. Uma cartela de adesivos representa horas de diversão ao custo de cinquenta centavos. Um palito, uma vez lá em casa virou varinha de condão, espada, arma de raio laser e foi a grande sensação do Natal (ao custo de zero reais). Mas nada deixa as crianças mais animadas do que jogá-las para o alto e pegá-las antes de caírem no chão. Será uma eternidade de “de novo!”, ao custo de um mau jeito nas costas.
A Anita vai crescendo e, eventualmente, se deixando seduzir por brinquedos mais caros. Ela veio esses dias com um papo de que queria um Apple Watch, ia ganhar dinheiro das duas avós no Natal, juntar com um dinheiro antigo, vender uns tênis velhos na internet pra poder comprar. Fomos na loja ver aquela coisa, ela mexeu por uns dois minutos pra sentenciar: “Que coisa mais sem graça, pai. Vamos embora”.
A capacidade de entender que algo é melhor na propaganda do que na vida real talvez tenha sido meu melhor presente pra ela.
Tive que viajar para uma palestra e no evento ganhei um macaquinho de pelúcia. “Dá de presente pras suas filhas”, me disse a contratante, superbem intencionada. Eu agradeci. Mas no avião, voltando pra casa, passou pela minha cabeça o que ia acontecer quando chegasse em casa: minhas duas filhas iriam brigar pelo macaco, eu diria que era um presente para as duas, a mais nova iria chorar, a mais velha iria agarrar o macaco, eu diria pra mais velha deixar a mais nova brincar, a mais velha iria chorar, a mais nova ficaria com o macaco por trinta segundos para então abandoná-lo no meio da sala, a mais velha continuaria chorando porque fui injusto com ela.
Olhei para um pai que estava com um bebê no colo. “Tó, de presente pra você e seu filho”.
Ele agradeceu, surpreso. Espero que ele saiba: nada substitui sua presença, pai.
Marcos Piangers
Via Revista Donna
2. ANTES QUE ELES CRESÇAM
Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça…
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam.
Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas “pestes”.
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.
Affonso Romano de Sant’Anna
3. Mensagem à família
Na educação de nossos filhos
Todo exagero é negativo.
Responda-lhe, não o instrua.
Proteja-o, não o cubra.
Ajude-o, não o substitua.
Abrigue-o, não o esconda.
Ame-o, não o idolatre.
Acompanhe-o, não o leve.
Mostre-lhe o perigo, não o atemorize.
Inclua-o, não o isole.
Alimente suas esperanças, não as descarte.
Não exija que seja o melhor, peça-lhe para ser bom e dê exemplo.
Não o mime em demasia, rodeie-o de amor.
Não o mande estudar, prepare-lhe um clima de estudo.
Não fabrique um castelo para ele, vivam todos com naturalidade.
Não lhe ensine a ser, seja você como quer que ele seja.
Não lhe dedique a vida, vivam todos.
Lembre-se de que seu filho não o escuta, ele o olha.
E, finalmente, quando a gaiola do canário se quebrar, não compre outra…
Ensina-lhe a viver sem portas.
Eugênia Puebla
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